quinta-feira, 23 de junho de 2011

O BAILE DAS REGATEIRAS


O Baile das Regateiras, segundo Abílio Miranda, era sem dúvida, um dos mais mimosos que se realizavam no passado, nas Festas do Corpo de Deus em Penafiel. Para o seu aspecto gentil muito contribuiam as doze raparigas, sempre escolhidas, de modo a sobressairem pela sua elegância e beleza.
Os seis pares de moçoilas marchavam em linha, formando alas, e levavam à frente de cada uma das alas um rapaz. A fechar as alas, na rectaguarda, marchavam com a mesma cadência, o mestre, um tocador de rabeca e uma mulher, portadora de uma condessa de flores, para distribuir, na véspera, após a exibição, à porta do município, aos vereadores e pessoas de categoria social que das janelas e sacadas do domus  assistiam aos bailes, e no dia, a quem pagasse. A indumentária do mestre era constituída por bota preta, bem engraxada, calça e colete branco, camisa e colarinho engomado e cartola. As raparigas trajavam à lavradeira, meia branca e chinela bem apuradinha; dum lado sobraçavam uma canastrinha com flores e a outra mão segurava uma comprida vara enfeitada que ia ao ombro. Os rapazes, a quem chamavam maqueletes, vestiam com fato branco.
Parado o grupo para se exibir, as raparigas entregavam as pequenas canastras com flores aos mirones mais próximos, e agarravam pelas pontas a vara formando com ela um arco sobre a cabeça. Principiavam com uns bailados e contradanças cantando o seguinte coro:

“O Baile das regateiras
É este baile, senhores.
Em lugar de vender fruta,
Nós vimos vender flores

O mestre respondia:

Vo-las comprarei, meninas,
Que eu de todas necessito.
Logo faremos o preço,
Quando eu as já tiver visto.

Primeiro par a principiar da rectaguarda, dirigindo-se ao mestre:

Eu de ser rosa me gabo
Se com ela o contentar,
Por nós sermos as primeiras,
Só connosco há-de feirar.

Mestre:

Eu nada quero com rosas,
Que não são do meu agrado.
Quando com elas brincava
Por elas fui picado.

Elas:

Procurando uma desculpa,
Mostrou ser bem avisado.
Não quer brinquedos com rosas
Por ser por elas picado.

Outro par:

Perpétuas de várias castas
Nós vimos hoje vender;
Posto que não tenham cheiro,
Nunca perdem o seu ser.

Mestre:

Não gosto dessas perpétuas,
Não as quero, que são pecas.
Agradam-me as coisas verdes,
Não pretendo coisas secas.

Elas:

Pois elas secas não são,
Qu`inda estão a florescer.
Ainda agora as compramos
Para as tornar a vender.

Terceiro par:

Bem me quer, o meu brinquinho
Veja se mo quer comprar.
Se procura flor de estima,
Só esta pode estimar.

Mestre:

Eu não quero o bem me quer,
Que é coisa que enganos são.
Dizei-me, ó minhas meninas,
Se vós me quereis bem ou não.

Quarto par:

Se ainda não reparou,
Repare cá para mim;
Veja lá que linda flor
Chamada a flor do jasmim.

Mestre:

Ó meninas que vendeis
Esses ramos de jasmim,
Eu bem os queria comprar
Mas são caros cá p`ra mim.

Elas:

Venha cá senhor peralta,
Nós consigo justaremos.
Se acaso não traz dinheiro,
De si tudo fiaremos.

Mestre:

Eu trago muito dinheiro
Cá nas minhas algibeiras,
Mas não é para comprar flores
A vós, lindas regateiras.

Maqueletes (pionias):

Esta flor da pionia
Do jardim da melhor planta,
Tem tanta graça e beleza
Que todo o mundo se encanta.

Mestre:

Coitadinhos dos meninos
Que têm graça singular!
Não feirei co`as regateiras,
Mas convosco vou feirar.

Maqueletes:

Pois você é o nosso mestre,
É filho de boa gente;
Quando vê os maqueletes,
Salta, pula de contente.

Mestre:

Ai Jesus, valha-me o céu!
Que graça têm os meninos!
Se eu tivesse dé – reis,
Dava-vos dois biscoitinhos.

Quinto par de regateiras:

Não há flor como o suspiro
Cá na nossa estimação.
Todas as flores se vendem
Só os suspiros se dão.

Mestre:

Meninas, não suspireis,
Não vão mais para além
Que eu também, na vossa ausência,
Sei amar e querer bem.

Sexto par:

Veja o senhor se lhe agrada
Para dar aos seus amores.
Não há flor igual ao cravo,
Pois é capitão das flores.

Mestre:

Eu não quero a flor do cravo,
Porque a mim não me faz conta.
Um cravo ao pé d`outro cravo,
Como vês, faz afronta.

Todos:

Traz hoje grande fastio,
Que nada disto lhe agrada.
Corremos toda a cidade
Sem nenhuma vender nada.

Mestre:

Nem vós vínheis p`ra vender,
Nem eu vinha p`ra comprar;
Milagroso Corpus – Christi
Vínhamos p`ra festejar

Elas, lançando pétalas de flores da canastra em que já pegaram:

Nós festejamos com flores
A todos, flores deitaremos;
Todas teremos um viva,
Se é que nós o merecemos.

Esta dança, que se julga ser uma degenerescência da dança da Retorta, precedia na procissão do Corpo de Deus, a imagem de S. Jorge a cavalo "feita por homens e mulheres mascarados com seus arcos acompanhados por gaita de foles dada pelo juiz da dança”.
Algumas vezes o mestre do baile vinha à frente das alas entre os maqueletes.


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