segunda-feira, 12 de março de 2012

"A SENHORA ALEMANHA." Um belo texto...



A ingratidão dos países, tal como a das pessoas, é acompanhada quase
sempre pela falta de memória. Em 1953, a Alemanha de Konrad Adenauer
entrou em default, falência, ficou Kaput, ou seja, ficou sem dinheiro
para fazer mover a actividade económica do país. Tal qual como a
Grécia actualmente.

A Alemanha negociou 16 mil milhões de marcos em dívidas de 1920 que
entraram em incumprimento na década de 30 após o colapso da bolsa em
Wall Street. O dinheiro tinha-lhe sido emprestado pelos EUA, pela
França e pelo Reino Unido.

Outros 16 mil milhões de marcos diziam respeito a empréstimos dos EUA
no pós--guerra, no âmbito do Acordo de Londres sobre as Dívidas Alemãs
(LDA), de 1953. O total a pagar foi reduzido 50%, para cerca de 15 mil
milhões de marcos, por um período de 30 anos, o que não teve quase
impacto na crescente economia alemã.

O resgate alemão foi feito por um conjunto de países que incluíam a
Grécia, a Bélgica, o Canadá, Ceilão, a Dinamarca, França, o Irão, a
Irlanda, a Itália, o Liechtenstein, o Luxemburgo, a Noruega, o
Paquistão, a Espanha, a Suécia, a Suíça, a África do Sul, o Reino
Unido, a Irlanda do Norte, os EUA e a Jugoslávia. As dívidas alemãs
eram do período anterior e posterior à Segunda Guerra Mundial. Algumas
decorriam do esforço de reparações de guerra e outras de empréstimos
gigantescos norte-americanos ao governo e às empresas.

Durante 20 anos, como recorda esse acordo, Berlim não honrou qualquer
pagamento da dívida.

Por incrível que pareça, apenas oito anos depois de a Grécia ter sido
invadida e brutalmente ocupada pelas tropas nazis, Atenas aceitou
participar no esforço internacional para tirar a Alemanha da terrível
bancarrota em que se encontrava.

Ora os custos monetários da ocupação alemã da Grécia foram estimados
em 162 mil milhões de euros sem juros.

Após a guerra, a Alemanha ficou de compensar a Grécia por perdas de
navios bombardeados ou capturados, durante o período de neutralidade,
pelos danos causados à economia grega, e pagar compensações às vítimas
do exército alemão de ocupação. As vítimas gregas foram mais de um
milhão de pessoas (38 960 executadas, 12 mil abatidas, 70 mil mortas
no campo de batalha, 105 mil em campos de concentração na Alemanha, e
600 mil que pereceram de fome). Além disso, as hordas nazis roubaram
tesouros arqueológicos gregos de valor incalculável.

Qual foi a reacção da direita parlamentar alemã aos actuais problemas
financeiros da Grécia? Segundo esta, a Grécia devia considerar vender
terras, edifícios históricos e objectos de arte para reduzir a sua
dívida.

Além de tomar as medidas de austeridade impostas, como cortes no
sector público e congelamento de pensões, os gregos deviam vender
algumas ilhas, defenderam dois destacados elementos da CDU, Josef
Schlarmann e Frank Schaeffler, do partido da chanceler Merkel. Os dois
responsáveis chegaram a alvitrar que o Partenon, e algumas ilhas
gregas no Egeu, fossem vendidas para evitar a bancarrota.

"Os que estão insolventes devem vender o que possuem para pagar aos
seus credores", disseram ao jornal "Bild".

Depois disso, surgiu no seio do executivo a ideia peregrina de pôr um
comissário europeu a fiscalizar permanentemente as contas gregas em
Atenas.

O historiador Albrecht Ritschl, da London School of Economics,
recordou recentemente à "Spiegel" que a Alemanha foi o pior país
devedor do século xx. O economista destaca que a insolvência germânica
dos anos 30 faz a dívida grega de hoje parecer insignificante.

"No século xx, a Alemanha foi responsável pela maior bancarrota de que
há memória", afirmou. "Foi apenas graças aos Estados Unidos, que
injectaram quantias enormes de dinheiro após a Primeira e a Segunda
Guerra Mundial, que a Alemanha se tornou financeiramente estável e
hoje detém o estatuto de locomotiva da Europa. Esse facto,
lamentavelmente, parece esquecido", sublinha Ritsch. O historiador
sublinha que a Alemanha desencadeou duas guerras mundiais, a segunda
de aniquilação e extermínio, e depois os seus inimigos perdoaram-lhe
totalmente o pagamento das reparações ou adiaram-nas. A Grécia não
esquece que a Alemanha deve a sua prosperidade económica a outros
países. Por isso, alguns parlamentares gregos sugerem que seja feita a
contabilidade das dívidas alemãs à Grécia para que destas se desconte
o que a Grécia deve actualmente.


Sérgio Soares, jornalista

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